miércoles, 28 de diciembre de 2011

Aquele que alimenta os mortos




AQUELE QUE ALIMENTA OS MORTOS

Sublinhei um adjectivo num poema de Celan
que fala do tempo e da morte e foi
como se contornasse com giz a forma de um cadáver,
como se o servisse numa bandeja não sei a Quem ou ao Quê
(pois muitas são as bocas que nomeiam, mas só uma nos silencia).
Digo em voz alta esse adjectivo e o seu fantasma aparece,
vem até mim implorando que lhe dê novamente substância,
calor e casa; para que o limpe, o tire das ruas e lhe mostre
o que é feito do mundo e das suas sombras, as palavras.
E antes de ir dormir com o osso desse adjectivo entre os lábios
vou à janela e vejo o poema incompleto da noite,
penso num homem à procura de um adjectivo no fundo do Sena
ou do Tempo onde estão todas as vozes, todas as sombras.
E recordo então o que Kafka escreveu numa madrugada como esta:
Que enquanto os fantasmas engordam, nós morremos.


[Luís Filipe Parrado ha seleccionado y traducido al portugués para el nº 6 de la lisboeta revista "Criatura" cuatro poemas míos de Frecuencias y tres de Fundido en negro. Este es uno de ellos.]

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