Después de leer este poema mío de Contra las cosas redondas (La Bella
Varsovia, 2016) traducido al portugués por la amabilísima Inês Dias y
asombrarse de su sonoridad, a uno le entran ganas de haber nacido un
poco más a la izquierda de la geografía natal y ser un poeta lusitano
que se atiborra cada mañana de café brasileiro y pastéis de Belém.
Gracias, Inês.
Deus fez o mundo e fê-lo com pressa,
mas os poetas, sem saírem das suas casas,
inflamados, coroados por línguas de fogo,
tiritando de solidão e de frio na madrugada,
mantêm-no em contínuo funcionamento.
O novo carregamento de luz ainda não chegou.
Longamente esperam as folhas negras das acácias,
os sete cinzentos do arco-íris, os vitrais das igrejas,
leves e frágeis como as asas de uma libélula.
Em breve se acumulará a claridade, nutritiva e generosa,
nas esquinas e o bispo branco derrotará o negro.
No Museu Nacional as sombras aguardam;
de um momento para o outro vão partilhar o verde,
o azul de Prússia, o vermelhão e o amarelo.
Os poetas, desvelados, administradores
de um vasto império invisível, preparam café;
esperam que fervam também as palavras.
Uma irmandade secreta de colherzinhas
tilintando nervosas, rodando para misturar
– enquanto as canetas sonham com o seu regresso
a Ítaca – as duas substâncias da vida:
o doce e o amargo, a luz e a escuridão.
Os poetas mexem e remexem: as suas colheres
e as suas canetas não sabem fazer outra coisa.
Com brio, com teimosia, quase com fervor.
Como se o redondo fluir dos relógios
nas morgues e nos aeroportos,
e o ciclo curto das estações
(às vezes apenas Outono e Inverno,
Outono e Inverno repetindo-se)
e o preguiçoso rodar do planeta inteiro,
com as suas dobradiças, os seus parafusos e rodas do destino,
dependessem única e exclusivamente
de um insone movimento de pulso.
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